sábado, 29 de agosto de 2015

Sozinha, quebrada e perdida.

Gradativamente, eu percebo que estou me afastando das pessoas e, de modo particular, me aproximando delas. Estou em um movimento de afastamento de multidões, de quantidades, de massas, no qual minha socialização se encolhe progressivamente à meia dúzia de gatos pingados.

Tenho minhas plantas, meus projetos, minhas inquietações. Tenho minha espiritualidade, minha estrada de chão batido que me leva para dentro de mim. Tenho os que dividem o cotidiano comigo e ninguém mais.

Sempre fui meio antissocial e não é novidade estar sozinha e querer estar sozinha. Gosto do meu lugar, do meu espaço reservado, de cultivar as minhas individualidades e é sempre difícil abrir a porta deste meu mundo e deixar qualquer pessoa entrar.

O hábito de me trancar é tão arraigado que durante as minguadas tentativas de me abrir a alguém percebo uma dificuldade imensa e, muitas vezes, a necessidade de usar um escudo, uma armadura, uma proteção.

O mais irônico é que o afastamento do todo me aproxima muito de mim, mas me faz perder um pouco do tato do convívio social. E, como boa cozinheira que sou, sei que perder a mão é garantia de estragar a receita, até a melhor delas.

Assim, paira sempre no ar a dúvida de que: será que eu só encontro as piores pessoas para me aproximar ou que faço/ extraio dessas pessoas apenas o seu pior?

Hoje eu me vi no meio de uma conversa sobre drogas e, da forma mais inusual possível, me senti tremendamente inadequada. Não sei se pela falta de contato com as pessoas com as quais conversava, não sei se por não ser de modo algum simpática às substâncias psicoativas, não sei.

Mas a sensação de inadequação mexeu muito comigo e me fez ter vontade de sair correndo em busca de outras pessoas com as quais pudesse tecer redes de empatia, de familiaridade, que entendessem o que eu estava sentindo. No afã de aplacar a sensação de estar sozinha no mundo, minha cabeça recorreu à busca desenfreada por pessoas.

Mas, passada a emoção do mal-estar, me veio novamente os questionamentos da razão: Até que ponto vale a pena me cercar de quaisquer pessoas para me sentir menos sozinha, menos inadequada? E será que no meio de um turbilhão de carência, de solidão, de mal-estar, é possível discernir quem realmente me entende e está próximo a mim de verdade e com reciprocidade.

Às vezes eu me sinto perdida em um labirinto e, em todas as tentativas, não encontro um caminho a trilhar. Eu sinto medo de seguir sozinha. Eu sinto medo de não ter para onde ir. Eu tenho medo, principalmente, de não saber o que fazer. E nesses momentos de fragilidade eu queria muito ter alguém com o qual eu pudesse contar, chamar, gritar, estar, pedir socorro, acompanhar.

E é justamente nesses momentos em que o universo grita para mim, de todas as formas, a mensagem de que a solidão, o vazio e o esfacelamento do meu ser não podem e nem serão preenchidos com qualquer coisa, qualquer pessoa, qualquer metade igualmente quebrada. É preciso mais. Preciso ir adiante e ousar encontrar em mim tudo aquilo que minha carência me empurra a buscar em outros e perceber que só assim poderei ser inteira e estar aberta, não a qualquer companhia, mas a quem chegar para ficar, do jeito que mereço, do jeito que eu possa corresponder.

domingo, 16 de agosto de 2015

Mercantilização do outro



Nesses últimos dias alguns acontecimentos tem me levado a refletir sobre o valor das pessoas. Lembro das aulas de economia política em que o Bigodão, professor querido do meu coração, explicava os conceitos de valor de uso e valor de troca. A grosso modo o valor de uso é a utilidade social do objeto. Enquanto o valor de troca seria o valor do objeto mediante o tempo de trabalho e a matéria prima nele gastos.

E confesso que tentar compreender em que ponto da humanidade nós passamos a ver as pessoas com as quais nos relacionamos como um jogo de capital me deu um certo nó no juízo. Na verdade vejo uma proximidade assustadora do conceito de valor de troca como filosofia norteadora de alguns (muitos) relacionamentos.

Nessa nossa falida sociedade machista e capitalista seria algo como:

  • Quanto você vale? 

- Você vale uma ligação demorada?
- Você vale um jantar?
- Você vale uma noite de sexo?

E pronto. Dificilmente o ciclo continua a partir daí. Afinal, tem muitas figurinhas novas para preencher o álbum. Mas alguém me responda, por favor, que álbum patético é esse? Que bizarrice é essa de colecionar casos de uma noite, ou apenas frações disso, desenfreadamente? Qual o prazer que se tem de transformar as pessoas em mero objetos?

Talvez eu soe completamente conservadora e quadrada em meus questionamentos. Talvez seja meio démodé insistir em romantizar os casos e teimar em acreditar no amor e coisa e tal.

Ao longo dos meus trinta anos eu perdi muito do meu romantismo e meiguice, mas ainda não consegui perder o respeito pelo outro. Não consegui a proeza de jogar, seduzir, iludir e investir energia com intenção de levar alguém pra cama e depois desaparecer (até quando?).

Mas apesar disso, chega uma hora em que o cinismo acaba contagiando e a gente que é humano igual a todo mundo (será?) pensa: E se eu cansar de ser tratada como objeto e resolver, já que sou objeto, cobrar o meu valor de troca?

Estava conversando com uma colega ontem e ela, machista declarada, me falava de seu último homem. Falava de sua condição de mulher independente e da mesmice que era encontrar alguém que não acrescentava, não somava valor ou experiências significativas (para além do abstrato) aos seus dias. E foi bonito de ouvir e compartilhar da sinceridade e verdade dessa mulher.

E essa conversa só me fez reafirmar minha convicção íntima de não me rotular machista ou feminista, porque muitas vezes esses conceitos tão discutidos nas rodas de conversa da vida acabam não sendo suficientes para abarcar a realidade. Será que é injusto um ser objetificado pelo outro começar a cobrar, em forma de valores concretos, pelo aluguel de seu corpo, paciência e envolvimento? Será que mesmo os machistas convictos ou os feministas esclarecidos nunca se viram numa relação afetivo-mercantil? Será que é machismo, feminismo, prostituição? Será que a vida cabe mesmo em caixinhas de conceitos?

Enfim, acho que estamos ainda afogados pela hipocrisia, que - como onda constante - vem e nos afunda, nos tira o ar e a clareza de quem realmente somos e do que realmente fazemos e queremos fazer. Será que no auge da minha consideração pela dignidade alheia e do respeito pelo território sagrado do outro eu nunca quis algo mais, uma compensação?

Bom, o que eu consigo ver é que poucas coisas nessa vida são gratuitas. E por mais que eu não queira, peça ou espere um valor financeiro, nos relacionamentos, minha tendência é querer uma retribuição pelo tempo, afeto e participação oferecidos com a tão cobiçada reciprocidade. Então, como julgar alguém que, diferente de mim, cobra um jantar, um presente, uma mensalidade da academia/faculdade?

E existem casos de pessoas que querem estar com alguém bonito, interessante, inteligente, independente e tantos outros "in's", no entanto essas pessoas pouquíssimas vezes tem o mesmo a oferecer de volta. Nesses casos, o que fazer? Como cobrar? A cobrança financeira começa até a soar justa... Sei que é um tema delicado e controverso. Peço perdão aos que se ofenderem com as palavras fortes usadas, mas é que realmente é um assunto que tem me incomodado bastante recentemente.

Acho que vou começar a ler mais sobre o assunto, porque viu, não tá fácil não...

quarta-feira, 24 de junho de 2015

No lugar da emoção, dormência.


Ontem eu fui ao cinema e assisti ao filme "Divertida Mente". Seria engraçado se não fosse deprimente, mas em meio a toda riqueza de teorias psicológicas apresentadas pela animação (muito boa, diga-se de passagem) é inevitável não pensar a respeito.

Tristeza, Alegria, Nojinho, Medo e Raiva representavam as emoções básicas da personagem, pré-adolescente, Riley. Quando se inicia um processo de muitas mudanças na vida da menina, essas emoções enfrentam o desafio de resgatar as memórias básicas e fundantes da personalidade da garota que se perderam devido a um acidente.

É uma animação muito densa e interessante sobre nossa mente, nossas emoções, nossas lembranças, nossa personalidade e, em consequência disso, sobre quem somos. Sobre a forma como reagimos às emoções e registramos nossas lembranças. Desperta ainda nosso olhar para perceber que todas as emoções, por mais indesejadas que sejam por nós, são importantes e fazem parte de quem somos.

Estes dias eu tenho enfrentado momentos diferentes. Sinto uma dormência emocional muito grande, em que como numa música, as "notas" de tristeza se sobressaem. É tão interessante constatar nesses meus percussos "auto-antropológicos" quão mais complexa é a vida e a cadeia de sensações que decorrem dela e, ao mesmo tempo, quantos mecanismos são utilizados cotidianamente por uma grande parte de nós para simplesmente adormecer nossas tristezas e dissabores.

O momento que estou vivendo agora me favorece no sentido de alimentar a esperança e acreditar no caráter (sempre) cíclico da vida, nutrir bons pensamentos e, como sugere meu terapeuta, construir imagens mentais mais positivas.

Eu me considero uma pessoa complexa e com tendências muito claras ao negativismo da realidade. E é sempre desafiador tentar pensar a vida, escrevê-la, ouvi-la ou senti-la através de formas mais alegres e positivas. Quando penso nisso sinto falta da pessoa que eu costumava ser há uns 10-12 anos atrás. Mas ao mesmo tempo, desperta o interesse em procurar por esse eu tão escondido em meio aos maus presságios que hoje me acompanham.

Pensando nessas ideias novas, começo a sentir algo que me faz acreditar que essa dormência dará lugar a um novo ciclo de emoções - fortes, positivas e coloridas com alegria, ousadia e esperança. Assim, eu aceito o desafio de uma morte simbólica para que a vida ressurja de uma fonte diversa, mais abundante e fecunda. Que eu saiba sair do casulo e enfim conseguir ser quem eu sou, de verdade.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Um passo a mais


Sabe quando seus pés já estão cansados de trilhar as mesmas estradas, esbarrando nas mesmas pedras e se calejando nos mesmos sapatos? Hoje eu calcei um sapato novo, respirei fundo e pedi à vida coragem, para começar mais uma vez.

Hoje é meu aniversário. E o que é aniversário? É aquele dia em que a gente soma mais um dígito à nossa idade, em que lembramos o dom que recebemos e pensamos sobre o que estamos fazendo com ele, em que - sobretudo - percebemos a necessidade de reduzir as cargas, diminuir o ritmo, esvaziar as gavetas, perdoar as mágoas e buscar outros caminhos.

Eu percebi a importância das pessoas que tenho por perto e que posso contar, ainda que seja "apenas" com um olhar de atenção. Agradeço por pessoas que mesmo distantes e sem conversarmos, sabem de mim e rezam pelas minhas intenções. Reconheço que estou só e que ainda é grande a lista de excessos de presenças vazias a cortar.

A gente precisa morrer para que algo novo nasça. E meu maior desejo hoje é que uma parte grande de mim morra, quero que possa nascer e prevalecer em mim uma Amanda mais verdadeira, mais profunda, mais corajosa, mais humilde, mais envolvida com seus próprios sonhos e sentimentos. Uma Amanda que saiba reconhecer suas necessidades e correr atrás delas, sem medo, sem dar satisfação, sem esperar nada dos outros. Uma Amanda que saiba se surpreender com os pequenos gestos de amizade, que saiba valorizar a presença mais que a ausência e que saiba observar o que realmente importa.

Quero deixar pra trás as pessoas que me mostraram não ser capazes de seguir ao meu lado nos meus caminhos, aprender a levar a vida de mãos dadas e não nas costas, descobrir o encantamento que se perdeu diante das mazelas da vida real. Que o requinte e os aromas da Gastronomia possam me dar leveza para lidar com as pobrezas e mau-cheiro que o Serviço Social me traz. Que como no Yin Yang, eu possa achar o equilíbrio entre meus impulsos e paixões e reconhecer que sou os dois e dos dois careço igualmente.

Que eu traga em meu semblante mais do que o cansaço, a raiva, a tristeza e a vontade de desistir, que eu aprenda a cultivar esperança, sorriso e gratidão. E que eu me esforce, acima e a despeito de tudo, para alcançar meus sonhos, para viver na França, para criar minha filha, para aprender a amar na prática.

E que eu saiba voltar atrás, pedir perdão, me perdoar, repensar as escolhas e recomeçar sempre que a vida me pedir ou que eu precisar. Que eu não canse, xingue nem desista do viver. Que eu aprenda a cada dia a melhor viver. E que não me falte, hoje, o que é necessário, para que eu tenha serenidade para esperar pelo que mereço. E como "a vida é muito curta para ser pequena", que eu seja valente e audaciosa para fazê-la infinita enquanto durar.

Que eu seja feliz!

sábado, 6 de junho de 2015

A delicadeza do virar de cada página

Eu acredito que todos estamos, de alguma forma, no meio de um deserto. Para alguns a solidão é real, palpável. Para outros a sensação de inadequação incomoda. Outros tantos estão definitivamente perdidos, em meio às convenções sociais, às expectativas, ao medo. E eu? Eu me enquadro em todas estas categorias.

A contagem regressiva para o fechamento de um ciclo e, consequentemente, o recomeço de outro traz para mim uma terrível sensação de incômodo. Sinto-me totalmente fora do meu aquário ideal, seja com relação ao local em que vivo, ao trabalho, aos amigos (?) e às minhas escolhas diante dessa confusão toda.

Talvez fugir para outro lugar, quiçá outra dimensão, me trouxesse a tranquilidade para empreitar um novo recomeço. Mas o meu desafio, na realidade nua e crua da vida que posso ter, é tentar recomeçar com as velharias que trago dentro e ao redor de mim. Recomeçar ressignificando valores, posturas, palavras, crenças, escolhas.

Dentre todas as possibilidades que me espreitam e que eu espreito, a mais presente hoje é encarar qualquer coisa, menos me obrigar a estar em ambientes e com pessoas que já não me acrescentam nada. É fugir da gente de plástico, Barbie's e Ken's que simulam uma vida perfeita, pelo menos por fora, mas que não me convencem em essência de sua perfeição.

Eu quero algo de verdade para mim. Em poucos dias terei 30 anos, mas sei que essa passagem de idade não vai trazer magicamente uma nova Amanda a menos que eu escolha levar em conta tudo o que experimentei até aqui e ouse tentar outro caminho.

É meio aflitivo ver o tempo passar e se esgotar o prazo para cumprir algumas metas, mas a vida vem me ensinando a entender que existe um tempo para cada coisa e este tempo nem sempre obedece aos meus planos. Hoje, mais do que ontem, eu sei que nem sempre os meus sonhos vão se realizar, mas que eu preciso estar com os olhos bem abertos para ver, nas aparentes derrotas, as oportunidades que me são oferecidas.

Mais do que ficar emburrada porque as coisas não estão saindo como eu quero, eu preciso ter coragem de diariamente assumir riscos, dar minha cara a tapa e acreditar em meus ideais. Ousadia de defender com unhas e dentes quem eu sou, sabendo que às vezes é mais vantajoso ser odiada por sustentar meus valores e ética pessoal.

Estou adentrado na temporada balzaquiana, mas mais do que isso, estou aprendendo a olhar além e tentar ver que nem sempre a felicidade tem causas aparentes, assim como a tristeza. Cada um é um universo secreto, inclusive eu. Resta-me, em meio às tantas distrações da vida, lembrar que o fundamental está aqui dentro e ter a coragem necessária para empreender a maior viagem da minha vida, em direção ao meu infinito interior.