sábado, 8 de fevereiro de 2014

Minha cesta de compras

Não tem característica que eu aprecie mais do que a autenticidade. Ou talvez até tenha e eu não esteja me lembrando agora... O fato é que admiro, acho lindo, babo, tem o meu respeito, aquelas pessoas que sabem quem são e o que querem e vivem de acordo com isso. É, talvez também entre nesse contexto a minha tão amada e queridinha coerência.

Amo gente que não tá nem aí para a vida alheia, para o que tá na moda, para o que as pessoas costumam fazer, dizer ou pensar. Elas são. Isso basta. Talvez dentre meus grandes sonhos de "vir a ser", o mais forte seja este: ser autêntica e coerente. Saber reconhecer meu valor, lembrar quem paga as minhas contas e ligar o foda-se para o resto do mundo...

Revolta? Talvez. A maturidade também é bastante necessária nessa busca de ser quem somos, mas enquanto ela não chega por completo, abramos um pouco de espaço nas nossas gavetas bem comportadas e politicamente corretas para a rebeldia, para colocar a boca no trombone, ou talvez para ignorar. O que seria de nós sem a capacidade de ignorar o absurdo, hein? Sim, porque ficar indignada é fácil, gritar, xingar, falar palavrão pode até ser catártico, mas ignorar é divino.

Enfim, se eu fosse nomear todas as características que aprecio e almejo para mim talvez faltasse vocabulário suficiente, talvez o sábado a noite não bastasse, talvez meus punhos e tendões não suportassem o esforço extremo de tal tarefa... Talvez... Ficarei com meus exageros, sonhos nem tão utópicos e razões mais do que ponderadas de adquirir algumas (ou quem sabe toda a lista citada) dessas qualidades, afinal investir em si mesmo é mais do que justo, é necessário.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Crônica da Loucura, do L. F. Veríssimo

Essa semana não tem sessão de terapia e eu já estou morrendo de saudade disso tudo... #PausaDramática

Crônica da loucura

O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos.
Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros  loucos todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.

Durante quarenta anos, passei longe deles. Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando estar louco semanal.

O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e  ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a pouco.

Ninguém olha para ninguém. O silencio é uma loucura. E  eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses. acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no  mínimo, criativo. E a sala de espera de um "consultório médico", como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Paulo Coelho como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão,  vejamos:
Na última quarta-feira, estávamos:

1. Eu
2. Um crioulinho muito  bem vestido,
3. Um senhor de uns cinqüenta anos e
4. Uma velha gorda.

1) Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o  problema de cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do  principio que todos eram loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados.

(2) O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país  racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até  aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o namoro e não conseguiu entrar como sócio do "Harmonia do Samba"? notei que o tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro.Talvez apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou  suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro.

Podia  ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da mala assassina.


(3) E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos  também pretos?
Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E  manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas. Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como  era infeliz esse meu personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o  Paulo Coelho da outra. Faltava um botão na camisa.
Claro, abandonado  pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.

4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e  baixinha. Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve  ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha "viagem" na sala de espera.
Ele ri, .....  ri muito, o meu psicanalista,  e diz:

O Ditinho é o nosso office-boy.

O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá no Ipiranga e passa aqui uma vez por mês com as novidades.

E a gordinha é a Dona Dirce, a minha mãe.

- E você, não vai ter alta tão cedo...

Luis Fernando Veríssimo


Seguir em frente, sempre.

A pior rejeição é aquela que te leva a dar razão a quem te rejeitou e se lançar no mais profundo poço de autodepreciação. A pior rejeição é aquela que deriva da pessoa que você vê quando olha através do espelho. Sei que dói perceber que quem consideramos ser o "amor de nossas vidas", não nos tem em conta sequer como um alguém digno de ser escutado. Não sei se é pra chorar, se é pra agradecer aos céus pelo livramento. Não sei se vale a pena pensar, sentir ou chorar numa hora dessas... Sei que é preciso seguir em frente, por nós. Se pelo "eu" não valer a pena cada esforço diário e cotidiano dessa vida louca, ninguém mais valerá. Ponto final e pé na estrada, como diz uma psicóloga conhecida: "A vida é sempre seguir em frente". Sempre... Lá vou eu!