sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O que ninguém quer contar...

Esses dias tenho sentido fortes ondas de ansiedade. Aquele desconforto que nos lembra que é preciso olhar também para dentro, que é preciso parar, que é preciso cuidar de si. Hoje esse sentimento foi mais forte. E aquele aperto no peito me indicava que algo ruim estava por vir. E veio...

Assim como há um ano tive uma excelente surpresa, que foi a reaproximação com minhas irmãs. Agora a vida me traz a constatação, mais uma vez forte e dolorosa, que minhas companheiras de cativeiro sofrem. Ouvir o relato do sofrimento alheio é sempre difícil, trabalho com isso, mas é uma realidade com a qual não desejo ter uma relação naturalizada. Eu sofro e me desgasto na escuta dos usuários do serviço em que exerço minha profissão.

Porém, ouvir relatos de sofrimento de alguém tão próximo e não conseguir transpor o muro da impotência me faz muito mal. Sei que na maioria das vezes o simples fato de quem passa por dificuldades conseguir expressar sua dor já lhe traz alívio, contudo para mim, como família-ouvinte, não há semelhante sensação. A angústia toma conta e aperta o peito. Dói demais ver quem a gente ama se sentir mal e muito pouco ou quase nada poder fazer.

Observo, todavia, que o sofrimento pelo qual esta pessoa passa advém de sua escolha abnegada por cuidar dos outros em detrimento de si mesma e de permitir que os outros a tratem mal, a desrespeitem. Existe um dito popular segundo o qual: "Os outros nos tratam da forma que permitimos que eles nos tratem", isto é, nós somos diretamente responsáveis pela forma como somos tratados pelos outros, nós permitimos o desrespeito, o desamor, a injúria e a humilhação que nos dirigem.

Quando se está no meio de um momento de fragilidade é muito difícil perceber isso e, mais ainda, conseguir encontrar meios de transpor tal situação. Entretanto, cabe a nós esse papel de avaliar constantemente a forma com que as pessoas nos tratam, pois geralmente o abuso e o desrespeito tendem a se generalizar em nossas relações como sintomas de que algo em nós não está bem.

Às vezes precisamos estar cercados de amor, de reconhecimento por nossos atos nobres e altruístas. Precisamos preencher um modelo social que diz que devemos ser pessoas de família, com boa saúde e forma física, equilibrados psicológica e financeiramente. Enfim, devemos a todo custo preencher um padrão. O que poucos fazem é questionar se tal padrão se encaixa em sua vida, se lhe faz algum sentido ou se é só um eco que ressoa em seu autoconceito vazio.

Eu, pessoalmente, me entristeço sempre que vejo alguém sucumbir diante dos padrões de normalidade social e se prostrar ao "deus aparência" para encenar uma vida que não lhe pertence. Dói ver alguém humilhar outrem simplesmente por ver no outro os reflexos de um fracasso que é seu. Sei que muitas vezes é preciso descer ao fundo do poço e permitir que nos torturem e humilhem ao extremo para nos decidirmos a mudar.

Passei por algo assim e, em meio a uma relação familiar abusiva, tive de romper definitivamente o laço de convívio sociofamiliar com determinado parente. E ver essa história de abuso levar outra pessoa ao mesmo entristecimento que já experimentei me sufoca. E, assim como digo aos usuários do serviço em que trabalho, aos amigos que compartilham relatos pesados comigo, hoje eu tive de repetir a ladainha.

Diz a sabedoria das redes sociais que "Todo mundo que a gente encontra na vida está enfrentando uma batalha que você não sabe nada a respeito. Portanto, seja gentil com todos." E eu acredito que uma palavra gentil, uma preocupação autêntica, a tentativa de mostrar para quem está sofrendo suas qualidades e seu valor pode e vai aliviar sua carga.

Existem muitas situações complicadas acontecendo com pessoas que amamos neste momento. Talvez se conseguíssemos olhar com mais atenção, poderíamos lhes proporcionar algum tipo de auxílio. Ter alguém próximo sofrendo com os efeitos da depressão - como é o caso que relatei - é muito angustiante, mas é importante entender que não se trata tão somente de desânimo. E a depressão, como toda doença, requer tratamento.

Não é preciso ser super herói para ajudar, um pouco de empatia já faz muita diferença! :)
https://www.youtube.com/watch?v=VRXmsVF_QFY
Um forte abraço!

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Finitudes

O ser humano é algo bastante complexo. Parece viver preso em dicotomias e contradições infindáveis. Parece sempre confuso e perdido entre escolhas: o presente X o futuro, a realidade X o sonho, o que se tem X o ideal. E sempre preso neste mar de possibilidades, esquece que, apesar da complexidade, é fundamental escolher, tomar partido, pois não se pode fugir a vida inteira.

Algumas pessoas crescem acreditando que tudo será fácil, que ao fazer sua parte todo o resto se resolverá, e aí a realidade mostra que nem sempre os frutos de nossas ações são imediatos, e, muitas vezes, a pessoa vai plantar laranja e colher banana. Não faz sentido algum.

Hoje eu estou realmente confusa, perdida em sentimentos, em aflições, me sentindo sozinha, me sentindo com medo. Minha gastrite dói, e dói mais ainda a sensação de bagunça que toma conta de mim.

O fato de eu me sentir oferecendo meu melhor gera um conflito dentro de mim, pois, erroneamente, me faz evocar o "falso direito"de receber mais. E isso é uma prisão doentia e perigosa. Primeiro porque não se deve dar o que quer que seja com a expectativa de obter algo em troca. Segundo porque nos relacionamentos esse tipo de cobrança tem geralmente o poder de atrair justamente o contrário. E quanto mais se cobra/espera, menos se recebe.

Eu sou orgulhosa, meus amigos que o digam. Eu não peço nada. E quando eu peço, pode ter certeza que é zoação. Ao mesmo tempo, sou de oferecer muito, seja em afeto ou em concretudes. E isso gera um déficit emocional gigantesco que nem terapia, nem reza, nem conselho, nem nada tem atenuado. Então, vivo em risco de criar um lugar de vítima, de coitadinha que tudo dá e nada tem, que, como a bíblia exemplifica, acredita tanto que será recompensada que doa tudo o que tem.

Hoje eu simplesmente invejo as pessoas egoístas. Na verdade essa inveja nem é de hoje. Me sinto encenando constantemente um certo papel de trouxa na vida. Deixando que as pessoas pisem em mim, se aproveitem do meu altruísmo e da minha boa vontade, e acabem muitas vezes a me usarem ao seu bel prazer.

Daí eu recordo de uma sessão de terapia, que inclusive já devo ter mencionado por aqui, em que discutíamos sobre ser aceita X ser rejeitada e que como o medo de ser rejeitada gera comportamentos autodestrutivos, como os que enumerei anteriormente. Em que nos colocamos em último lugar e nos ocupamos tão somente de agradar o outro, deixando totalmente de lado quem somos e o que queremos.

Ao passo que ser aceita engloba a mais absoluta transparência, inclusive daquelas características mesquinhas e deploráveis, de quem nós somos (com valores, falhas, exigências e limites). Ser aceito implica, muitas vezes, delinear claramente para - e na convivência com - o outro todos os contornos que nos compõem, sem medo de que isso signifique repulsa ou separação do outro. Ser você, sem qualquer maquiagem, e saber que o outro vai te acolher do mesmo jeito.

Mas o que fazer quando sempre que se abre esse ciclo de intimidade, de abertura e vem à tona as características mais desagradáveis, a vulnerabilidade e finitude que nos fazem ser quem/como somos o outro vai embora ou demonstra não nos querer desse jeito?

É sabido que não se pode trabalhar em terapia, autoconhecimento ou qualquer outro tipo de técnica de autodesenvolvimento a figura do outro, apenas o EU. Mas como fazer quando o eu se torna frágil e transparente diante do outro, mas não existe uma implicação da outra parte? Eu mesma respondo mentalmente enquanto digito...

É tudo tão complexo, finalmente. E, ao mesmo tempo, muito óbvia a maneira de se resolver. Eu e esse meu medo...