domingo, 31 de agosto de 2014

O que você procura?

Ao longo dos anos eu pude acompanhar meu crescimento, em termos de compleição física, em termos de idade, em termos de conhecimento; mas principalmente pude observar de perto o desenrolar de batalhas íntimas e o amadurecimento subsequente a cada uma delas.

Quando criança eu me estranhava. Comecei cedo este caminho. Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer eu nunca me imaginei médica pediatra, professora ou algo do tipo, como a maioria, nem tampouco cogitava o sonho que meu pai projetava para mim, comissária de bordo ou agente da aeronáutica. Eu queria ser escritora. E lá no fundo, por mais que respondesse qualquer outra coisa, nutria esse sonho em mim.

De fato, sempre me via fugindo aos padrões e expectativas culturais e sociais do ambiente que me cercava. Meus pais simples, não tiveram oportunidade de uma educação formal ampla, prezavam o trabalho, a atividade, a atitude. Eu retraída, amante dos estudos e dos livros, compenetrada, racional e tímida.

Adolescência é uma quentura não? Sexualidade à flor da pele, paixões, namoros? Não. Eu tinha crises existenciais, me questionava sobre o que estava fazendo no mundo, o que queria fazer da minha vida, quem eu era. Assim tive minhas primeiras crises de ansiedade e experimentei por diversas vezes a sensação de inadequação. Percebia que algo não ia bem comigo, mas não conseguia me achar. Experimentei a conversão religiosa, o engajamento em movimento carismático, era feliz, mas sei lá... Ainda faltavam algumas respostas.

É isto. Faltavam algumas respostas que a minha mente pensante não conseguia responder e, no auge da minha racionalidade, sentia uma angústia dilacerante. As coisas não se encaixavam.

O tempo passou, cresci mais  um pouco, me permiti um tantão de outras coisas. Amei, fui amada, fui machucada, fui abandonada, feri, abandonei, desisti, corri atrás, me apaixonei, recuei, fui, deixei de ser, acreditei, tive medo, me escondi, adoeci, me tratei, me impacientei, voltei, senti sede e aprendi a pedir ajuda.

Este final de semana foi maravilhoso. Há alguns anos li a palavra Eneagrama em algum lugar, a internet me deu uma explicação superficial, me forneceu um teste e ficou nisso. Ano passado fui atraída a um livro sobre o tema, comprei, comecei a ler, tive medo e deixei pra lá. Só que neste final de semana eu voltei a olhar para o assunto, soube de um curso e me inscrevi.

Meu coração, juízo e curiosidade foram jogados de um lado para o outro nestes dois dias em que tentava me convencer sobre minha identidade, sobre o tipo ao qual minha personalidade apresentava inclinação. Eu consegui aceitar finalmente e, mais ainda, superar medo e timidez e ir até a frente do grupo e falar sobre mim. É tão fantástico quando enfrento meus medos e percebo que eles são apenas frutos da minha cabeça, que não há o que temer. É realmente uma experiência libertadora.

E no meio de toda esta efervescência que vivi e que minhas palavras certamente não poderão narrar, ouço o padre, instrutor do curso, falar que a coisa mais bonita do meu tipo é quando ele consegue perceber que precisa seguir o coração e descobre a coragem que possui. Coragem. É preciso muita coragem para ser quem se é. É preciso muita coragem para acreditar em si. É preciso muita coragem para não desistir de si mesmo e de seus sonhos.

Eu estou neste caminho há mais de uma década e por mais dificuldades que enfrente ao longo da jornada, e elas são muitas, não trocaria essa possibilidade de me olhar, de me aceitar e de me amar por nada. Sou grata e feliz por não desistir e porque sei que cada vez mais me aproximo da minha essência. Acredito na minha busca e sei que encontrarei.

E você, que tal ter coragem de entrar neste caminho e assumir suas dúvidas, medos e anseios? Você não estará sozinho. Vamos juntos?

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Saudades de mim...

Parada no final da calçada, cabeça baixa, peso demais nos ombros. Ergo meu olhar e vislumbro o fluxo de carros, de um lado para o outro. Espero o trânsito acalmar, o sinal fechar, pra poder seguir.

Às vezes dá pra arriscar, correr um pouco e passar para o outro lado, ilesa. Noutras simplesmente fico empacada, sem conseguir atravessar.

Agora me encontro assim. Parada, agoniada, olhar triste, sem conseguir atravessar a rua que me leva para mim mesma. Estou com saudades de mim.

Queria colocar minha melhor roupa, meu melhor sorriso, meu melhor perfume e sair correndo ao meu encontro, me dar um abraço festivo e bem apertado e ficar conversando comigo até adormecer. Mas onde estou?

Sinto saudades de mim. Me procuro pelos lugares próximos. Me procuro na lembrança junto aos que se foram. Me procuro em Deus. E só consigo vislumbrar a ponta da calçada, o trânsito caótico, o medo, a solidão e o espaço vazio em mim.

Onde estou? Como será que me perdi? Como será que posso me encontrar? Será que algum jornal pode anunciar esse sumiço? Será que as pessoas farão campanhas para me localizar via facebook? Será que mais alguém sente minha falta?

Ausente-presente, vagando por aí, à procura de mim... Difícil imaginar insanidade maior.

Odeio esses finais de tarde que evidenciam ainda mais a minha solidão, que me fazem perceber que essa saudade que eu sinto não é de um amor, de uma amizade, de uma família, de uma companhia qualquer, mas é de mim mesma. Sinto saudades da pessoa que eu mais amo no mundo, que eu mais admiro, que eu mais quero ver feliz e que eu simplesmente não sei onde está.

Sim, essa é uma dor insuportável. Não, eu não quero me perder de mim. Mas parada na calçada em que estou, a ambivalência vem me fazer companhia, vem suscitar dúvidas, vem me desencorajar. Não posso desistir de procurar por mim, mas o desânimo invade. Onde me resta procurar? O que ainda não fiz que poderei fazer para me encontrar? Estou numa enrascada!

E tudo o que eu queria era sentar e conversar comigo, me consolar, me fazer sorrir um pouco, me contar as novidades, falar das coisas que aprendi enquanto não estava aqui, dizer e me convencer de que tudo vai melhorar. Me pedir pra ficar, pra seguirmos juntas, pra acreditar.

Neste dia em que a sensibilidade está à flor da pele, em que resquícios de um luto recente me enevoam a visão, queria ter a clareza de um encontro comigo mesma.

E perguntas ecoam: O que mais posso fazer para me encontrar? O que me falta tentar? O que vai funcionar de verdade? Eu quero definições, fórmulas, endereços, razões, certezas, mas tudo o que me vem são interrogações, e dúvidas, e medos, e desânimo, e ambivalência. O que mais? O que mais?

Que eu me encontre.
Que eu me encontre.
Que eu me encontre.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

#IBelieve

Há dois anos eu vivenciava minhas primeiras sessões de terapia, minha então terapeuta sempre me repetia algo, como um mantra, que até hoje vem à minha lembrança vez ou outra: "O que tem dentro, tem fora".

Por muitos dias martelei com essa frase na cabeça e tentava imaginar a real dimensão de seu significado.
Hoje eu me vi totalmente alheia. Meu corpo ocupava um espaço, eu conversava, interagia, fazia graça, mas não estava de fato ali. Numa crise de ansiedade assim, meu desejo maior é me afastar e ficar no meu cantinho, tentando meditar e "voltar".

Mas hoje, e infelizmente isso tem sido recorrente nas últimas semanas, eu queria porque queria conversar com alguém, desabafar, ouvir pela milésima vez uma opinião, obter uma resposta, uma clareza, um direcionamento. Hoje eu percebi que eu estava longe do meu corpo, mas também, o que é pior, de mim mesma, interiormente.

Todas as vezes em que preciso de ajuda, seja qual for, sei que tenho algumas pessoinhas a recorrer, que posso ligar pra conversar, desabafar, marcar uma saída de emergência para acalmar o espírito e tudo isso é muito bom, saudável e natural. Hoje, contudo, eu percebi claramente que estava delegando aos outros a condução da minha vida.

Eu pratico dança do ventre atualmente. Já fiz dança de salão por alguns anos e a maior dificuldade que sempre tive foi de me deixar conduzir. Sou muito arredia para ficar totalmente disponível para que o outro me leve como desejar, mas na dança, minimamente, tem que haver esse acordo de confiança. Dançar sozinha é mais fácil. Já fiz essa analogia em terapia e hoje isso volta a se mostrar de forma clara. Dança e relacionamentos, a necessidade de estar presente, de se deixar conduzir, mas também de saber responder aos comandos do parceiro.

Quando "desisti" da dança de salão, mesmo amando, de certa forma desisti dessa interação de conduzir, deixar ser conduzida. Mas o que isso traz aos meus relacionamentos, como reflexo? Qual a necessidade de esperar que o outro me dê as respostas ou os comandos aos quais devo observar e seguir? Onde está meu coração? Onde estou? Como posso avaliar o que tem fora sem olhar para o que tem dentro e vice-versa?

Complexidades? Não, eu diria necessidades. O dia tem apenas 24 horas, como eu consigo me perder e me encontrar tantas vezes em um espaço de tempo tão curto? Como consigo me incomodar tanto com acontecimentos externos, alheios a mim, relacionados à escolhas de outrem que não me diz respeito? Como me incomodar e irritar em simplesmente ouvir a voz de alguém, por mais desagradável que ele seja? Como não aceitar o perdão de alguém do passado, que arrependido, vem ao meu encontro se desculpar? Como fechar a cara e fugir do reflexo do espelho e de tudo o que ele mostra?

Há que diga que precisamos saber muitas respostas ao longo da vida. Hoje eu me sinto completamente feliz em poder elaborar essas perguntas. Isso mostra que estou aqui, voltando a me importar com as coisas, saindo da letargia que me anestesia diante do mundo. De volta à realidade e disposta a encarar as horas que tenho pela frente de uma forma mais branda.

Parei um pouco e consegui conversar com Deus, sem reverências, de você para você. Chorei, briguei, questionei, falei palavrão e outras "cositas inapropriadas", mas Ele me conhece... (risos) E o alívio que veio me fez entrar em estado de meditação, e como o pai daquele menino possuído (Mc 9, 14-24), o mantra que fluiu sem que eu pudesse planejar foi "Senhor, eu creio/ Mas aumenta a minha fé".

A pouca maturidade espiritual que consegui nos últimos anos não me atrai à nenhuma religião, pelo contrário, mas a cada dia sinto mais e mais necessidade de, ao me conhecer, estreitar meus laços com Deus. Então hoje a minha prece, desejo e esperança é poder acreditar cada vez mais em mim, em Deus e em tudo aquilo que preciso viver para chegar onde devo chegar.

O jogo só acaba quando termina, até o último segundo um time pode marcar ponto e reverter o placar, a vida segue a mesma lógica. E, mesmo em meio a derrotas passageiras, é possível acreditar que dias melhores virão, que serei melhor, que sairei vencedora. Eu acredito.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Acreditar


"Miomas uterinos são tumores não cancerosos do útero, que muitas vezes aparecem durante a idade fértil. Os miomas uterinos não estão associados a um risco aumentado de câncer de útero e quase nunca se transformam em câncer. Esse tumor benigno atinge cerca de 50% das mulheres na faixa etária dos 30 aos 50 anos."


Este poderia ser um texto de sensibilização quanto aos cuidados que as mulheres devem ter com relação à sua saúde ginecológica, mas não é. Experimentei a avalanche emocional de ver um diagnóstico de um "problema simples e comum" se transformar em algo persistente para o qual medidas invasivas deveriam ser tomadas.


Não quero perder a dimensão do aspecto físico da coisa e, sim, hoje defendo arduamente uma postura de atenção à saúde e de prevenção de todo tipo de doença que seja possível prevenir. Mas não é só isso. Acredito que o corpo acumula em si as dores que o psíquico não consegue ressignificar, então receber um diagnóstico em um órgão feminino, responsável pelo abrigo da vida no corpo me fez estremecer.


Eu sei que o sistema de saúde público brasileiro é terrível e que o privado não se difere muito, mas tenho convicção de que não se deve "guardar doenças". Eu não tinha sintoma nenhum que me chamasse a atenção e imagino quantas pessoas sofrem dias e dias, com dores, com sintomas desagradáveis e simplesmente não procuram ou recebem a ajuda de que necessitam. Alguma coisa precisa ser feita a este respeito. Mas não quero também que o texto assuma o caráter político reivindicatório, hoje não.


Hoje eu quero falar que entre o físico e o psíquico existe outra dimensão, existe o espiritual. Não vou falar de milagres, de cura pela fé, de noções abstratas, mas do que se passou em mim. Recebi o diagnóstico de um tumor enorme em novembro de 2013. A ginecologista me tranquilizou e me receitou um tratamento hormonal bem simples, por seis meses, mas antes de concluir este prazo percebi que as coisas não estavam melhorando.


Em abril de 2014, ela fria e objetivamente me indicou um cirurgião. Falou das possibilidades de intervenção, enfatizando a cirurgia como melhor alternativa. Eu resisti, fiquei desesperada, saí atônita, não estava preparada para aquilo. Agora eu percebo que era o que poderia ser feito e, graças a Deus, foi.


O novo médico me propôs uma intervenção com um hormônio mais pesado, por três meses, ao que no fim o mioma continuava lá, intacto. Fiquei tão triste por não ter nenhum resultado diante de mais essa tentativa. Voltei ao médico. Uma dezena de exames pré operatórios, uma centena de perguntas sem resposta, apenas atenuadas com "não é nada", confusão.


E em meio à escuridão instalada em minha vida naquele momento, o dia começou a amanhecer. "Você é supersticiosa? Pode ser dia 13?" perguntava o médico. "Não, pode marcar." E a presença de Deus me trouxe de volta um sorriso nos lábios, um pouco de alívio de todo o caos. Poderia ter sido qualquer outro dia, mas Deus sabia que eu precisava da presença da Mãe naquele momento e me deixou sentí-la objetivamente.


Eu poderia falar da felicidade que foi poder contar com amigas que se revezaram para cuidar de mim, desde o momento da internação, incluindo assistir-me reclamando fome e sede, chorando, sendo cortada e tendo as entranhas abertas; do apoio quando da reação alérgica à dipirona e queda de pressão, das primeiras idas desastrosas ao banheiro, do banho, dos curativos, das visitas. Foram tantos momentos vivenciados que me fizeram sentir o amor de Deus para comigo e nada disso era esperado por mim, mas foi milimetricamente preparado por Ele.


Hoje, passado um ano daquele 13 de agosto de 2013, posso vislumbrar um pouco do que Deus tinha em mente com tudo isso. Não acho que Deus seja sádico, mas às vezes é necessário que uma situação mais extrema nos faça perder o controle e aprender a cultivar a fé.


Meu útero está aqui, se recuperando, sendo acompanhado e recebendo todo carinho e festa. E eu não consigo expressar com palavras tudo o que a vida me oportunizou viver este ano, do cuidado dos amigos, do tempo para mim, do amadurecimento espiritual, das conquistas afetivas, do amor próprio. Foi um corte que me fez chorar, entrar em pânico, mas que me trouxe de volta - ou apenas me trouxe - à vida.



Eu já passei pelo inferno algumas vezes, mas acredito que isso não precisa ser em vão, que se pode voltar melhor de lá a ponto de não precisar estar mais lá. Estou bem. Estou feliz. E sei que é só o começo de tantas e tantas histórias que ainda vou lhes contar.


#EuAcredito 

#IBelieve

domingo, 10 de agosto de 2014

Sobre o dia dos pais

Minha amiga me contava a sinopse de um filme quando citou a frase que, segundo ela, norteava o sentido da história: "É preciso perder para ganhar". O cara do filme perdia o céu, mas ganhava o amor de sua mulher.

Eu estou aqui tão chocada com o desenrolar deste dia que só consigo chorar e agradecer a Deus. Jorge Bucay me diz, através de seu livro (*Quando me conheci) que "quando o discípulo está pronto, o mestre aparece". E eu não consigo acreditar em outra coisa neste momento.

Conheci um cara legal, que me deixou tão fascinada quanto assustada. Nos desentendemos. Depois de quatro dias sem uma palavra sequer e de alguma insistência de minha parte, ele me mandou uma mensagem hoje que meio que findava a situação.

Hoje é dia dos pais. Tenho um histórico de relacionamentos fracassados, não sei lidar com essa coisa toda. Vivi com meus pais até os 18 anos, mas era como se vivesse entre estranhos, não existia relação, diálogo, troca, amor. Eu sempre sonhava com os modelos de mãe e pai que via na TV, mas nunca pude vislumbrar nem de longe isso em minha história.

Cresci com o sentimento de rejeição, exterior, mas também interior. Não me sentindo boa o suficiente para nada. Nunca pude contar com meus pais para nada além do sustento material. Nunca. Hoje a vida me surpreendeu imensamente. Fazem cinco anos que meus pais se separaram e desde então meu pai vive com outra companheira.

Essa senhora acaba de me ligar e me propõe algo inédito: desejar feliz dia dos pais ao meu pai. Eu tremi por dentro, tive medo. Ela lhe passou o telefone e eu fiz, muito sem jeito, muito assustada, muito criança que não sabe como dizer o que sente, foi mecânico, mas eu consegui. Desliguei o mais rápido que pude e voltei a respirar.

Ela me liga novamente e conversamos. Me fala sobre o quanto ele sente minha falta, do orgulho que tem por eu ter estudado e construído minha vida com dignidade e esforço. Ela me lembra do meu valor e me faz sentir novamente pertencente a uma família. Falo da terapia, da minha dificuldade de me relacionar, do meu sentimento constante de rejeição. Ela me consola e me acolhe.

A vida prega peças a todo momento. Nunca imaginei receber tal ligação, tal afeto, tal carinho. Nunca me senti tão livre, liberta, leve. Um grito preso no peito por quase 30 anos que sai, em forma de choro e que me abre para tantas possibilidades que eu nem consigo calcular neste instante.

Como não ter fé? Como não acreditar que Deus existe? Como não me render ao amor de Deus e me deixar convencer de seu cuidado e carinho por mim? Como não olhar para todo o caminho que me resta e tentar fazê-lo melhor do que foi até agora?

Essa vida é muito boa e já não me sinto só. Tenho amigos que são como irmãos, agora tenho uma família - humilde, simples, diferente de mim, mas tenho - e sei que o amor está para chegar. Eu não tenho medo de enfrentar meus fantasmas. Só tenho medo de ver a vida passar e continuar estagnada, mas este definitivamente não é o meu caso. Que venha o amor e que me ensine, agora estou preparada.

Sobre jardins e amores

Quem tem ou já teve um jardim em casa sabe como é complexo o ofício de jardineiro.
Semear flores exige mais do que a semente ou a muda.
Exige o esforço com a preparação do terreno:
limpar cuidadosamente toda a extensão, arar a terra, adubá-la e então, só depois, propriamente plantar.

E não para por aí. Cada flor tem sua particularidade. Algumas se adaptam a determinadas condições de solo e climáticas, outras não. Algumas requerem uma adubação e regagem constante, outras nem tanto. Algumas levarão bastante tempo para florescer.

Assim como a jardinagem, a arte do relacionar-se exige cuidado, atenção às peculiaridades e muita paciência. É preciso respeitar o tempo de florescimento de cada um. E, às vezes, nunca alcançaremos contemplar o florescer, mas só conseguiremos ver a semeadura. E cabe a cada um de nós optarmos por semear ou não.

Semear pessoas exige que nos dispamos da vaidade, do egoísmo, da pressa. Requer um grande dispêndio de tempo, atenção e capacidade de doação ao outro. Demanda humildade, de reconhecer que nem sempre nossos esforços levarão ao resultado planejado, e ousadia, de arriscar tudo a cada novo dia.

Há quem passe a vida inteira contemplando os jardins alheios, há quem empreenda a fascinante jornada de construir seu próprio jardim, há quem passe numa loja e compre as flores "prontas", há quem se dedique a semear. E há uma grande aprendizagem disponível a quem se arrisca a tentar.

Quem opta por semear se depara com situações de total ausência de controle sobre o resultado, porque simplesmente existem aspectos que não podem ser previstos ou prevenidos. Arriscar atirar uma semente ao solo pode garantir a contemplação da beleza que é o desabrochar, ou nem tanto, assim como pode levar ao fracasso de ver seus esforços jogados em meio ao vão, ou nem tão pouco.

O certo é que cada realidade tem seu tempo e seu modo de ocorrer. A nós só cabe vislumbrar uma pequena parte deste processo e intuir sobre todo o restante, acreditar e investir. Assim como quem lança a semente não tem certeza do que vai colher, quem marca um encontro na vida não sabe as repercussões disso em sua história. E ainda tem o tempo, o tempo de espera. O tempo que transforma a semente potencialmente viva em vida, de fato.

Mas mesmo com toda a beleza e profundidade do semear flores, não se pode esquecer dos outros elementos que, no mais das vezes, coabitam nossos jardins e sem os quais a semeadura não seria possível. O adubo que, geralmente, é esterco nos leva a admirar a alquimia da natureza, sua capacidade de transformar o que não serve mais para nada em alimento para o novo, para o belo. Isso por si só já mostra quão surpreendente é a vida.

E não se pode esquecer dos espinhos. Uma roseira que se preze tem seus espinhos. Paramos neles? Desviamos nossa visão e tato? Eu acredito que não. Eles estão lá por algum motivo e precisamos estar sensíveis para respeitar e lidar com isso.

Acredito que a natureza é mais sábia que nós e seríamos mais sábios também se pudéssemos respeitar e aprender com tais processos. Aprender que cada um tem seu tempo, que nossa função diante do outro é limitada, que existem inúmeros fatores que repelem a aproximação, que o que cabe a nós é tão somente semear e tentar acompanhar o florescer oferecendo os elementos que possuímos, o que tiver de resultar disso vem com o tempo e uma boa dose, na maioria das vezes, de sorte.

Um belo dia você pode acordar e ver que a semente que outrora foi plantada, adubada, regada, floresceu em sua vida, assim como pode se deparar com o terreno vazio, a planta seca, a flor murcha, o luto pela perda do que nem chegou a ser real. "O que vale a pena ter, vale a pena esperar".


O que eu posso fazer? Tentar.

sábado, 9 de agosto de 2014

Noites escuras

O que me causa estranheza não é a sucessão de dias que passa igual, com breves momentos de felicidade.
O que me causa estranheza é não ouvir a sua voz, saber o que tem feito, te confidenciar uma ou duas coisas.
O que me entristece não é a sua ausência.
O que me entristece é saber que você se foi e não saber mais nada.

As noites costumavam ser menos escuras? Não.
Mas antes tudo se passava dentro de mim.
Hoje não dormi bem. Acordei cedo demais e não consigo me encontrar.
Pois há um pedaço lá fora que eu não sei como encontrar.

Talvez seja mais fácil pegar o coração ferido, magoado, maltrapilho, dilacerado e trancar dentro de uma caixinha. Isolar-me da humanidade inteira e de todas as possíveis interações, danosas ou não.
Talvez seja melhor assim. Mas por que não fazer diferente? Por que lutar contra o que mais se quer? Por que não apenas se render e se deixar surpreender?

São perguntas feitas cedo demais ou tarde demais?
E mais uma vez eu não sei.
Seria inteligente e maduro perceber o afastamento dele como prova clara, lógica e irrefutável que ele não estar mais disposto a seguir ao meu lado.
E deixar o silêncio do tempo me salvar de mim.

Mas hoje eu queria o "sim", o "vamos tentar", o "eu quero".
Hoje eu queria olhar para esta relação sem a necessidade de me mostrar cheia de defeitos e inadequações.
Hoje eu quero espaço para ser eu, boba, intensa, envergonhada, apaixonada.
Sem medo de ser quem sou. Sem medo das consequências.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Deixa passar... Deixa pra lá... ♪

"Você é confusa demais".

A voz ainda ecoa. O olhar vazio de desprezo ainda dói em mim. Mas passa...

E eu fico repetindo que passa, sempre passa e que isso não me pode fazer desistir.

Foram anos e anos de desistências, de desconfianças, de repetições do mantra da inadequação.
E eu me pergunto, o que tem mais?
Será que a vida toda vai ser assistir a repetição dessa mesma lenga lenga?
Será mesmo que sou tão insuportável assim?
Eu duvido.

Acho que minha autoestima hoje está um pouco melhor.
Não consigo entender como é que alguém se chateia e vai embora sem paciência alguma com alguém que possivelmente gosta.
Fugir de complicações. Simplificar.
Engraçado que é o meu lema atual, mas é mais complicado do que me esconder do mundo e das possibilidades.
Eu não sei se consigo ser a pessoa simples interiormente como sou exteriormente.

Eu não sei como avançar para um abraço, para um beijo, para uma conexão íntima se tiver que fazer isso só.
Hoje eu não queria estar só. Cheguei a pedir. O que considero humilhante ao extremo.
Aprendi que a vida passa rápido e que não se deve deixar quem se gosta ir embora sem ao menos tentar.
Não sei se tentei, mas pedi para ficar.
Porém hoje sei que existem momentos em que por mais que doa ver o outro partir, é preciso ficar e assumir a rédea das coisas.

Começar, recomeçar, cair, chorar, machucar?
Hoje não. Hoje não quero drama. Hoje não acredito em milagres. Hoje não vou alimentar a mocinha romântica que vive em mim.
Vou ficar só.
Mas vou ficar comigo.

É difícil encontrar comprometimento hoje em dia.
É difícil encontrar alguém que de fato queira ficar, mesmo em meio aos turbilhões emocionais, à confusão, à complicação, às cicatrizes do outro.
O esperado é que você seja perfeita, simétrica, bem resolvida, inteligente, com autoestima e um palavreado sujo para aquelas horas.

Mas o que mais?
Acho que sou idealista demais para os padrões contemporâneos.
Assim eu fico aqui, cheia de ideias, de sonhos, de desejos, de saudades.
Trancada.
Não tenho com quem compartilhá-los (ainda).
Porque abrir a porta para o outro nem sempre é como se gostaria.
Porque abraçar nem sempre é reconfortante.
Porque olhar nos olhos pode fazer a alma perecer.
Dor e contentamento.

Hoje eu quero ficar só.
Esquecer o mundo lá fora.
Esquecer o que ganhei e o que perdi.
Esquecer o que joguei fora e das vezes em que fui jogada nas sarjetas existenciais.
Não exagero.
Mas hoje prefiro simplesmente contemplar os fatos e deixá-los passar.
Não me doer, não chorar, não lamentar, apenas aceitar.

Desde 2008/2009 carrego comigo a frase do Shinyashiki, "Quem quer fazer alguma coisa, encontra um meio. Quem não quer fazer nada, encontra uma desculpa".
E hoje eu não vou me desculpar, não vou procurar justificativas nem explicações.
Hoje vou segurar minha mão bem forte, uma presa à outra, e vou me aceitar.
São tantos os que batem à porta, querendo algo em troca, um "retorno" qualquer.
São tão poucos os que realmente se importam e conseguem enxergar além de suas próprias necessidades.

Desta vez prometo não desanimar, apenas deixar pra lá.
Deixar que o vento cubra as palavras que foram escritas na praia, que a areia trate de cobrir a areia.
Deixar que eu me ajude a ressignificar o que não foi bom, mas também o que foi e, ainda, o que pode ser.
Preciso me aceitar, me respeitar.
E seguir adiante.

Vou conhecer alguém que me aceite de verdade, com tudo o que sou.
Mas antes, vou continuar a me conhecer.



E quero deixar uma indicação de leitura. Este é um livro que recomendo a todos que conheço e que quero bem. Um livro tão simples e tão extraordinário que me acompanhou ao longo de algumas frustrações e muitos aprendizados. Nem sei quantas vezes o li, mas sei que sempre encontro algo novo para me inspirar.
Desta vez não será diferente!
Vamos lá, Amanda!
A vida é muito curta para não amar e ser amada.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Cada cicatriz...

Eu acordei e estava num lugar escuro, gelado. Havia pessoas em minha volta, mas eu me sentia irremediavelmente sozinha, muda, dormente. Eu tremia de frio, pedia abrigo, agasalho, mas na dimensão em que eu estava as coisas se passavam em outro ritmo.

Daí eu acordei e tinha uma cicatriz em mim, uma não, várias. Era tão grande e violenta que atravessava a pele e se mostrava na superfície, à flor da pele. "Sim, deu tudo certo. Seu útero está aí, são e salvo", repetia uma amiga ao me ver confusa e incrédula.

Eu acordei várias vezes de um pesadelo terrível, em que me cortavam, e minha primeira reação era procurar a cicatriz, e ela estava lá. E o luto não cessava, já não pela carne, mas pelos afetos violados, pela nudez do olhar, pelo silenciar da palpitação.

Fria, inerte, apagada, hipotensa, assustada, chorona. Não sozinha. Eu estava lá.

“A mais carinhosa também é a mais bruta, a mais inteligente é ao mesmo tempo a mais sensível, a mais bonita é a mais emburrada, a mais esperta é ao mesmo tempo a mais mundo da lua, a mais bem humorada também é a mais chorona, a mais falante é ao mesmo tempo a mais secreta, a mais velha é ao mesmo tempo a mais moleca, a mais moça também é a mais madura , e uma não vive sem a outra." 
(Martha Medeiros)

Eu acordei e estava inteira de novo. Sonhava, sorria, respirava, palpitava, inflamava e ardia. Eu estava lá, mas já não era eu, era outra. Simplificar.

Eu acordei e percebi que se leva uma vida inteira para ser quem se é e que não há tempo a perder. Aprendi que olhar para os lados pode ser enriquecedor. Que arriscar pode render boas histórias. Que amar pode doer e que não amar dói mais ainda. Aprendi não, tenho aprendido. Estou a caminho. Estou me fazendo. 

Eu acordei querendo matar a saudade que sinto, de tudo aquilo que ainda não vivi. Acho que não custa nada arriscar. Não se perde por amar, perde quem não consegue receber o amor. Simplificar.

Eu acordei e resolvi aparar os excessos, cortar o cabelo, abrir minhas entranhas - meu peito, meu coração, minha confusão - para mim. A brigar comigo mesma, mas me aceitar. A ter medo, mas marcar o encontro desejado. A sentir vergonha, mas tentar. A ter raiva, mas não me deixar dominar pelo medo. A ser patética, mas me perdoar TODAS AS VEZES.

Eu estou aqui. Acordada. Insone. Lúcida. Intensa. Dramática. Feliz. Assanhada. Inteira. Sem arrebatamentos que me impeçam de querer ser arrebatada. Com sede de água e, mais ainda, de infinito.

"Moço, não retoque minhas fotos, cada cicatriz tem sua história..."