quinta-feira, 21 de agosto de 2014

#IBelieve

Há dois anos eu vivenciava minhas primeiras sessões de terapia, minha então terapeuta sempre me repetia algo, como um mantra, que até hoje vem à minha lembrança vez ou outra: "O que tem dentro, tem fora".

Por muitos dias martelei com essa frase na cabeça e tentava imaginar a real dimensão de seu significado.
Hoje eu me vi totalmente alheia. Meu corpo ocupava um espaço, eu conversava, interagia, fazia graça, mas não estava de fato ali. Numa crise de ansiedade assim, meu desejo maior é me afastar e ficar no meu cantinho, tentando meditar e "voltar".

Mas hoje, e infelizmente isso tem sido recorrente nas últimas semanas, eu queria porque queria conversar com alguém, desabafar, ouvir pela milésima vez uma opinião, obter uma resposta, uma clareza, um direcionamento. Hoje eu percebi que eu estava longe do meu corpo, mas também, o que é pior, de mim mesma, interiormente.

Todas as vezes em que preciso de ajuda, seja qual for, sei que tenho algumas pessoinhas a recorrer, que posso ligar pra conversar, desabafar, marcar uma saída de emergência para acalmar o espírito e tudo isso é muito bom, saudável e natural. Hoje, contudo, eu percebi claramente que estava delegando aos outros a condução da minha vida.

Eu pratico dança do ventre atualmente. Já fiz dança de salão por alguns anos e a maior dificuldade que sempre tive foi de me deixar conduzir. Sou muito arredia para ficar totalmente disponível para que o outro me leve como desejar, mas na dança, minimamente, tem que haver esse acordo de confiança. Dançar sozinha é mais fácil. Já fiz essa analogia em terapia e hoje isso volta a se mostrar de forma clara. Dança e relacionamentos, a necessidade de estar presente, de se deixar conduzir, mas também de saber responder aos comandos do parceiro.

Quando "desisti" da dança de salão, mesmo amando, de certa forma desisti dessa interação de conduzir, deixar ser conduzida. Mas o que isso traz aos meus relacionamentos, como reflexo? Qual a necessidade de esperar que o outro me dê as respostas ou os comandos aos quais devo observar e seguir? Onde está meu coração? Onde estou? Como posso avaliar o que tem fora sem olhar para o que tem dentro e vice-versa?

Complexidades? Não, eu diria necessidades. O dia tem apenas 24 horas, como eu consigo me perder e me encontrar tantas vezes em um espaço de tempo tão curto? Como consigo me incomodar tanto com acontecimentos externos, alheios a mim, relacionados à escolhas de outrem que não me diz respeito? Como me incomodar e irritar em simplesmente ouvir a voz de alguém, por mais desagradável que ele seja? Como não aceitar o perdão de alguém do passado, que arrependido, vem ao meu encontro se desculpar? Como fechar a cara e fugir do reflexo do espelho e de tudo o que ele mostra?

Há que diga que precisamos saber muitas respostas ao longo da vida. Hoje eu me sinto completamente feliz em poder elaborar essas perguntas. Isso mostra que estou aqui, voltando a me importar com as coisas, saindo da letargia que me anestesia diante do mundo. De volta à realidade e disposta a encarar as horas que tenho pela frente de uma forma mais branda.

Parei um pouco e consegui conversar com Deus, sem reverências, de você para você. Chorei, briguei, questionei, falei palavrão e outras "cositas inapropriadas", mas Ele me conhece... (risos) E o alívio que veio me fez entrar em estado de meditação, e como o pai daquele menino possuído (Mc 9, 14-24), o mantra que fluiu sem que eu pudesse planejar foi "Senhor, eu creio/ Mas aumenta a minha fé".

A pouca maturidade espiritual que consegui nos últimos anos não me atrai à nenhuma religião, pelo contrário, mas a cada dia sinto mais e mais necessidade de, ao me conhecer, estreitar meus laços com Deus. Então hoje a minha prece, desejo e esperança é poder acreditar cada vez mais em mim, em Deus e em tudo aquilo que preciso viver para chegar onde devo chegar.

O jogo só acaba quando termina, até o último segundo um time pode marcar ponto e reverter o placar, a vida segue a mesma lógica. E, mesmo em meio a derrotas passageiras, é possível acreditar que dias melhores virão, que serei melhor, que sairei vencedora. Eu acredito.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Acreditar


"Miomas uterinos são tumores não cancerosos do útero, que muitas vezes aparecem durante a idade fértil. Os miomas uterinos não estão associados a um risco aumentado de câncer de útero e quase nunca se transformam em câncer. Esse tumor benigno atinge cerca de 50% das mulheres na faixa etária dos 30 aos 50 anos."


Este poderia ser um texto de sensibilização quanto aos cuidados que as mulheres devem ter com relação à sua saúde ginecológica, mas não é. Experimentei a avalanche emocional de ver um diagnóstico de um "problema simples e comum" se transformar em algo persistente para o qual medidas invasivas deveriam ser tomadas.


Não quero perder a dimensão do aspecto físico da coisa e, sim, hoje defendo arduamente uma postura de atenção à saúde e de prevenção de todo tipo de doença que seja possível prevenir. Mas não é só isso. Acredito que o corpo acumula em si as dores que o psíquico não consegue ressignificar, então receber um diagnóstico em um órgão feminino, responsável pelo abrigo da vida no corpo me fez estremecer.


Eu sei que o sistema de saúde público brasileiro é terrível e que o privado não se difere muito, mas tenho convicção de que não se deve "guardar doenças". Eu não tinha sintoma nenhum que me chamasse a atenção e imagino quantas pessoas sofrem dias e dias, com dores, com sintomas desagradáveis e simplesmente não procuram ou recebem a ajuda de que necessitam. Alguma coisa precisa ser feita a este respeito. Mas não quero também que o texto assuma o caráter político reivindicatório, hoje não.


Hoje eu quero falar que entre o físico e o psíquico existe outra dimensão, existe o espiritual. Não vou falar de milagres, de cura pela fé, de noções abstratas, mas do que se passou em mim. Recebi o diagnóstico de um tumor enorme em novembro de 2013. A ginecologista me tranquilizou e me receitou um tratamento hormonal bem simples, por seis meses, mas antes de concluir este prazo percebi que as coisas não estavam melhorando.


Em abril de 2014, ela fria e objetivamente me indicou um cirurgião. Falou das possibilidades de intervenção, enfatizando a cirurgia como melhor alternativa. Eu resisti, fiquei desesperada, saí atônita, não estava preparada para aquilo. Agora eu percebo que era o que poderia ser feito e, graças a Deus, foi.


O novo médico me propôs uma intervenção com um hormônio mais pesado, por três meses, ao que no fim o mioma continuava lá, intacto. Fiquei tão triste por não ter nenhum resultado diante de mais essa tentativa. Voltei ao médico. Uma dezena de exames pré operatórios, uma centena de perguntas sem resposta, apenas atenuadas com "não é nada", confusão.


E em meio à escuridão instalada em minha vida naquele momento, o dia começou a amanhecer. "Você é supersticiosa? Pode ser dia 13?" perguntava o médico. "Não, pode marcar." E a presença de Deus me trouxe de volta um sorriso nos lábios, um pouco de alívio de todo o caos. Poderia ter sido qualquer outro dia, mas Deus sabia que eu precisava da presença da Mãe naquele momento e me deixou sentí-la objetivamente.


Eu poderia falar da felicidade que foi poder contar com amigas que se revezaram para cuidar de mim, desde o momento da internação, incluindo assistir-me reclamando fome e sede, chorando, sendo cortada e tendo as entranhas abertas; do apoio quando da reação alérgica à dipirona e queda de pressão, das primeiras idas desastrosas ao banheiro, do banho, dos curativos, das visitas. Foram tantos momentos vivenciados que me fizeram sentir o amor de Deus para comigo e nada disso era esperado por mim, mas foi milimetricamente preparado por Ele.


Hoje, passado um ano daquele 13 de agosto de 2013, posso vislumbrar um pouco do que Deus tinha em mente com tudo isso. Não acho que Deus seja sádico, mas às vezes é necessário que uma situação mais extrema nos faça perder o controle e aprender a cultivar a fé.


Meu útero está aqui, se recuperando, sendo acompanhado e recebendo todo carinho e festa. E eu não consigo expressar com palavras tudo o que a vida me oportunizou viver este ano, do cuidado dos amigos, do tempo para mim, do amadurecimento espiritual, das conquistas afetivas, do amor próprio. Foi um corte que me fez chorar, entrar em pânico, mas que me trouxe de volta - ou apenas me trouxe - à vida.



Eu já passei pelo inferno algumas vezes, mas acredito que isso não precisa ser em vão, que se pode voltar melhor de lá a ponto de não precisar estar mais lá. Estou bem. Estou feliz. E sei que é só o começo de tantas e tantas histórias que ainda vou lhes contar.


#EuAcredito 

#IBelieve

domingo, 10 de agosto de 2014

Sobre o dia dos pais

Minha amiga me contava a sinopse de um filme quando citou a frase que, segundo ela, norteava o sentido da história: "É preciso perder para ganhar". O cara do filme perdia o céu, mas ganhava o amor de sua mulher.

Eu estou aqui tão chocada com o desenrolar deste dia que só consigo chorar e agradecer a Deus. Jorge Bucay me diz, através de seu livro (*Quando me conheci) que "quando o discípulo está pronto, o mestre aparece". E eu não consigo acreditar em outra coisa neste momento.

Conheci um cara legal, que me deixou tão fascinada quanto assustada. Nos desentendemos. Depois de quatro dias sem uma palavra sequer e de alguma insistência de minha parte, ele me mandou uma mensagem hoje que meio que findava a situação.

Hoje é dia dos pais. Tenho um histórico de relacionamentos fracassados, não sei lidar com essa coisa toda. Vivi com meus pais até os 18 anos, mas era como se vivesse entre estranhos, não existia relação, diálogo, troca, amor. Eu sempre sonhava com os modelos de mãe e pai que via na TV, mas nunca pude vislumbrar nem de longe isso em minha história.

Cresci com o sentimento de rejeição, exterior, mas também interior. Não me sentindo boa o suficiente para nada. Nunca pude contar com meus pais para nada além do sustento material. Nunca. Hoje a vida me surpreendeu imensamente. Fazem cinco anos que meus pais se separaram e desde então meu pai vive com outra companheira.

Essa senhora acaba de me ligar e me propõe algo inédito: desejar feliz dia dos pais ao meu pai. Eu tremi por dentro, tive medo. Ela lhe passou o telefone e eu fiz, muito sem jeito, muito assustada, muito criança que não sabe como dizer o que sente, foi mecânico, mas eu consegui. Desliguei o mais rápido que pude e voltei a respirar.

Ela me liga novamente e conversamos. Me fala sobre o quanto ele sente minha falta, do orgulho que tem por eu ter estudado e construído minha vida com dignidade e esforço. Ela me lembra do meu valor e me faz sentir novamente pertencente a uma família. Falo da terapia, da minha dificuldade de me relacionar, do meu sentimento constante de rejeição. Ela me consola e me acolhe.

A vida prega peças a todo momento. Nunca imaginei receber tal ligação, tal afeto, tal carinho. Nunca me senti tão livre, liberta, leve. Um grito preso no peito por quase 30 anos que sai, em forma de choro e que me abre para tantas possibilidades que eu nem consigo calcular neste instante.

Como não ter fé? Como não acreditar que Deus existe? Como não me render ao amor de Deus e me deixar convencer de seu cuidado e carinho por mim? Como não olhar para todo o caminho que me resta e tentar fazê-lo melhor do que foi até agora?

Essa vida é muito boa e já não me sinto só. Tenho amigos que são como irmãos, agora tenho uma família - humilde, simples, diferente de mim, mas tenho - e sei que o amor está para chegar. Eu não tenho medo de enfrentar meus fantasmas. Só tenho medo de ver a vida passar e continuar estagnada, mas este definitivamente não é o meu caso. Que venha o amor e que me ensine, agora estou preparada.

Sobre jardins e amores

Quem tem ou já teve um jardim em casa sabe como é complexo o ofício de jardineiro.
Semear flores exige mais do que a semente ou a muda.
Exige o esforço com a preparação do terreno:
limpar cuidadosamente toda a extensão, arar a terra, adubá-la e então, só depois, propriamente plantar.

E não para por aí. Cada flor tem sua particularidade. Algumas se adaptam a determinadas condições de solo e climáticas, outras não. Algumas requerem uma adubação e regagem constante, outras nem tanto. Algumas levarão bastante tempo para florescer.

Assim como a jardinagem, a arte do relacionar-se exige cuidado, atenção às peculiaridades e muita paciência. É preciso respeitar o tempo de florescimento de cada um. E, às vezes, nunca alcançaremos contemplar o florescer, mas só conseguiremos ver a semeadura. E cabe a cada um de nós optarmos por semear ou não.

Semear pessoas exige que nos dispamos da vaidade, do egoísmo, da pressa. Requer um grande dispêndio de tempo, atenção e capacidade de doação ao outro. Demanda humildade, de reconhecer que nem sempre nossos esforços levarão ao resultado planejado, e ousadia, de arriscar tudo a cada novo dia.

Há quem passe a vida inteira contemplando os jardins alheios, há quem empreenda a fascinante jornada de construir seu próprio jardim, há quem passe numa loja e compre as flores "prontas", há quem se dedique a semear. E há uma grande aprendizagem disponível a quem se arrisca a tentar.

Quem opta por semear se depara com situações de total ausência de controle sobre o resultado, porque simplesmente existem aspectos que não podem ser previstos ou prevenidos. Arriscar atirar uma semente ao solo pode garantir a contemplação da beleza que é o desabrochar, ou nem tanto, assim como pode levar ao fracasso de ver seus esforços jogados em meio ao vão, ou nem tão pouco.

O certo é que cada realidade tem seu tempo e seu modo de ocorrer. A nós só cabe vislumbrar uma pequena parte deste processo e intuir sobre todo o restante, acreditar e investir. Assim como quem lança a semente não tem certeza do que vai colher, quem marca um encontro na vida não sabe as repercussões disso em sua história. E ainda tem o tempo, o tempo de espera. O tempo que transforma a semente potencialmente viva em vida, de fato.

Mas mesmo com toda a beleza e profundidade do semear flores, não se pode esquecer dos outros elementos que, no mais das vezes, coabitam nossos jardins e sem os quais a semeadura não seria possível. O adubo que, geralmente, é esterco nos leva a admirar a alquimia da natureza, sua capacidade de transformar o que não serve mais para nada em alimento para o novo, para o belo. Isso por si só já mostra quão surpreendente é a vida.

E não se pode esquecer dos espinhos. Uma roseira que se preze tem seus espinhos. Paramos neles? Desviamos nossa visão e tato? Eu acredito que não. Eles estão lá por algum motivo e precisamos estar sensíveis para respeitar e lidar com isso.

Acredito que a natureza é mais sábia que nós e seríamos mais sábios também se pudéssemos respeitar e aprender com tais processos. Aprender que cada um tem seu tempo, que nossa função diante do outro é limitada, que existem inúmeros fatores que repelem a aproximação, que o que cabe a nós é tão somente semear e tentar acompanhar o florescer oferecendo os elementos que possuímos, o que tiver de resultar disso vem com o tempo e uma boa dose, na maioria das vezes, de sorte.

Um belo dia você pode acordar e ver que a semente que outrora foi plantada, adubada, regada, floresceu em sua vida, assim como pode se deparar com o terreno vazio, a planta seca, a flor murcha, o luto pela perda do que nem chegou a ser real. "O que vale a pena ter, vale a pena esperar".


O que eu posso fazer? Tentar.

sábado, 9 de agosto de 2014

Noites escuras

O que me causa estranheza não é a sucessão de dias que passa igual, com breves momentos de felicidade.
O que me causa estranheza é não ouvir a sua voz, saber o que tem feito, te confidenciar uma ou duas coisas.
O que me entristece não é a sua ausência.
O que me entristece é saber que você se foi e não saber mais nada.

As noites costumavam ser menos escuras? Não.
Mas antes tudo se passava dentro de mim.
Hoje não dormi bem. Acordei cedo demais e não consigo me encontrar.
Pois há um pedaço lá fora que eu não sei como encontrar.

Talvez seja mais fácil pegar o coração ferido, magoado, maltrapilho, dilacerado e trancar dentro de uma caixinha. Isolar-me da humanidade inteira e de todas as possíveis interações, danosas ou não.
Talvez seja melhor assim. Mas por que não fazer diferente? Por que lutar contra o que mais se quer? Por que não apenas se render e se deixar surpreender?

São perguntas feitas cedo demais ou tarde demais?
E mais uma vez eu não sei.
Seria inteligente e maduro perceber o afastamento dele como prova clara, lógica e irrefutável que ele não estar mais disposto a seguir ao meu lado.
E deixar o silêncio do tempo me salvar de mim.

Mas hoje eu queria o "sim", o "vamos tentar", o "eu quero".
Hoje eu queria olhar para esta relação sem a necessidade de me mostrar cheia de defeitos e inadequações.
Hoje eu quero espaço para ser eu, boba, intensa, envergonhada, apaixonada.
Sem medo de ser quem sou. Sem medo das consequências.