domingo, 10 de agosto de 2014

Sobre jardins e amores

Quem tem ou já teve um jardim em casa sabe como é complexo o ofício de jardineiro.
Semear flores exige mais do que a semente ou a muda.
Exige o esforço com a preparação do terreno:
limpar cuidadosamente toda a extensão, arar a terra, adubá-la e então, só depois, propriamente plantar.

E não para por aí. Cada flor tem sua particularidade. Algumas se adaptam a determinadas condições de solo e climáticas, outras não. Algumas requerem uma adubação e regagem constante, outras nem tanto. Algumas levarão bastante tempo para florescer.

Assim como a jardinagem, a arte do relacionar-se exige cuidado, atenção às peculiaridades e muita paciência. É preciso respeitar o tempo de florescimento de cada um. E, às vezes, nunca alcançaremos contemplar o florescer, mas só conseguiremos ver a semeadura. E cabe a cada um de nós optarmos por semear ou não.

Semear pessoas exige que nos dispamos da vaidade, do egoísmo, da pressa. Requer um grande dispêndio de tempo, atenção e capacidade de doação ao outro. Demanda humildade, de reconhecer que nem sempre nossos esforços levarão ao resultado planejado, e ousadia, de arriscar tudo a cada novo dia.

Há quem passe a vida inteira contemplando os jardins alheios, há quem empreenda a fascinante jornada de construir seu próprio jardim, há quem passe numa loja e compre as flores "prontas", há quem se dedique a semear. E há uma grande aprendizagem disponível a quem se arrisca a tentar.

Quem opta por semear se depara com situações de total ausência de controle sobre o resultado, porque simplesmente existem aspectos que não podem ser previstos ou prevenidos. Arriscar atirar uma semente ao solo pode garantir a contemplação da beleza que é o desabrochar, ou nem tanto, assim como pode levar ao fracasso de ver seus esforços jogados em meio ao vão, ou nem tão pouco.

O certo é que cada realidade tem seu tempo e seu modo de ocorrer. A nós só cabe vislumbrar uma pequena parte deste processo e intuir sobre todo o restante, acreditar e investir. Assim como quem lança a semente não tem certeza do que vai colher, quem marca um encontro na vida não sabe as repercussões disso em sua história. E ainda tem o tempo, o tempo de espera. O tempo que transforma a semente potencialmente viva em vida, de fato.

Mas mesmo com toda a beleza e profundidade do semear flores, não se pode esquecer dos outros elementos que, no mais das vezes, coabitam nossos jardins e sem os quais a semeadura não seria possível. O adubo que, geralmente, é esterco nos leva a admirar a alquimia da natureza, sua capacidade de transformar o que não serve mais para nada em alimento para o novo, para o belo. Isso por si só já mostra quão surpreendente é a vida.

E não se pode esquecer dos espinhos. Uma roseira que se preze tem seus espinhos. Paramos neles? Desviamos nossa visão e tato? Eu acredito que não. Eles estão lá por algum motivo e precisamos estar sensíveis para respeitar e lidar com isso.

Acredito que a natureza é mais sábia que nós e seríamos mais sábios também se pudéssemos respeitar e aprender com tais processos. Aprender que cada um tem seu tempo, que nossa função diante do outro é limitada, que existem inúmeros fatores que repelem a aproximação, que o que cabe a nós é tão somente semear e tentar acompanhar o florescer oferecendo os elementos que possuímos, o que tiver de resultar disso vem com o tempo e uma boa dose, na maioria das vezes, de sorte.

Um belo dia você pode acordar e ver que a semente que outrora foi plantada, adubada, regada, floresceu em sua vida, assim como pode se deparar com o terreno vazio, a planta seca, a flor murcha, o luto pela perda do que nem chegou a ser real. "O que vale a pena ter, vale a pena esperar".


O que eu posso fazer? Tentar.

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